domingo, 5 de julho de 2009

VIVER SEM CORAÇÃO

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Hoje aconteceu o imponderável. Aquilo por que eu rezo há quase 4 anos que nunca acontecesse, deu-se no final da tarde.

Depois de um dia calmo em casa e um fim de tarde com amigos, decidimos levar os putos ao shopping. 2 mães, 2 crianças. Eles felizes, constantemente na brincadeira, ela provocadora, ele não lhe ficava atrás. Andavam de mão dada. Ela de mão dada com a mãe, ele de mão dada com ela.

Foram os 3 à Sportzone experimentar as bicicletas e eu fiquei na loja ao lado. Entraram passado um bocado. A mãe perguntou se íamos jantar. Eu respondi que sim. Ela olhou para baixo e tudo o que bastou foi a cara pálida dela a olhar de volta para mim com os olhos em pânico e a pergunta “Ele está contigo?”

Mas ele não estava.

Corri os corredores da loja e dele nem sinal. Sai cá para fora e comecei a correr, perdida, sem saber por onde começar.

Queria gritar o nome dele mas não conseguia. Corri para o segurança apenas para constatar aquilo que eu sabia. Que não conseguia falar. Não conseguia emitir um som. Ele olhava para mim e comecei a ouvir a voz dela a dizer-lhe que tínhamos perdido um menino de 3 anos. O meu menino…

Ele queria a descrição e ela só lhe conseguia dizer que ele era desta altura enquanto apontava para a própria filha e que tinha uma t-shirt azul do Cars e ele pedia mais e ela só falava na t-shirt azul do Cars. E eu não conseguia dizer nada. Eu não conseguia dizer que ele tinha os olhos azuis mais lindos do mundo e que quando sorria o mundo se iluminava. Eu não conseguia dizer nada…

Entrei na Sportzone e comecei a vasculhar cada recanto, cada corredor e só pensava que não conseguia respirar. O meu peito rasgava-se por dentro e eu desejei morrer. Pela primeira vez, eu quis morrer. Porque morrer era melhor do que sentir aquela dor que eu estava a sentir. Morrer seria uma bênção em comparação com aquela dor.

E pensava nela. Pensava na foto dela grávida, a uma semana de ter a própria filha, com o meu filho de dias ao colo. Pensava no quanto ela gostava dele assim como eu gosta da dela e doía mais porque eu sabia que ela estava a morrer também. Porque eu sabia que ela nunca se perdoaria se lhe acontecesse algo. E pensei em milhares de coisas parvas enquanto o meu peito se estilhaçava e eu atirava peças dos cabides da Sportzone por todo o lado.

No momento em que eu pensei que nunca mais na vida eu ia conseguir respirar porque não havia maneira de forçar o ar a entrar no peito, olhei para a porta e vi o segurança que me sorriu e apontou para fora. Para logo a seguir gritar ‘não’ e correr para mim a pensar que eu ía desmaiar enquanto eu me dobrava sobre mim mesma e finalmente começar a chorar convulsivamente.

Foi quando o vi aparecer, pela mão da tia. Ela a chorar e ele a soluçar e a chamar por mim. E agarrei-o. Agarrei-o como nunca o tinha agarrado antes. e embalei-o no chão do shopping ladeada por um segurança e uma loira gigante de lágrimas nos olhos que me perguntava com o olhar e depois com a voz se eu a odiava. E a única pessoa com quem eu conseguia falar sem soluçar era com ele enquanto o embalava. E ela dizer-me que ele estava a chorar porque ela lhe tinha batido porque ele estava escondido a ver toda a gente à procura dele e ainda apareceu a rir e aos pulinhos. Ela que devia estar a morrer como eu estava, deve ter-lhe arreado 2 valentes palmadas no rabo.

Depois foram os 2 conversar enquanto eu me acalmava. E fizeram as pazes mas ele ainda me veio dizer com uma grande lata que apanhou um ‘ganda xusto’ enquanto esfregava o rabo onde ela lhe deve ter batido. Pois deve ter apanhado deve…

Eu não sei quanto tempo se passou entre ela me perguntar por ele e o segurança me chamar. Na minha cabeça foram horas infindáveis, na realidade não sei, foram alguns minutos, mas agora enquanto eu continuo a chorar cada vez que me lembro do que aconteceu e vou olhá-lo a dormir, não consigo deixar de pensar em todos aqueles pais para quem não foi apenas um pequeno susto. Não consigo deixar de pensar…

16 comentários:

calamity jane disse...

E eu não consegui dizer nada... Só desassossegar-te quando já descansavas. Desculpa. Um abraço enorme

Ana Paula disse...

Ó pá...
Não imagino o desespero.
Foi só um susto. Já passou.
Um beijo

Ana Odete disse...

Ainda bem que ele apareceu...
Eu não consigo nem quero imaginar se algum dia me acontece algo assim com os meus pequenotes.
Ainda bem que ele apareceu...

Flores disse...

(Sobre)viver...

Aperto, aperto enorme.

Já passou.

Artur disse...

O meu puto mais pequeno, o janeka, tinha uma mania do caraças quando tinha os seus 3/4 anos. Na praia, começava a andar por ali fora e nem olhava para trás. Eu ficava sempre a ver onde é que ele ia, e quando ele se encontrava perdido levava sempre porrada. Nunca servia de nada. O puto desaparecia na mesma.
Uma pessoa não consegue ter mil olhos a toda a hora, senão vive em perfeita angustia.

Luz de Estrelas disse...

E eu choro qdo leio relatos destes, porque qq mãe consegue imaginar esse medo e esse desespero. Só peço que os finais sejam sempre assim, com palmadas no rabo e tudo.

S.A. disse...

ESTUPIDA! Fizeste-me chorar!

S.A. disse...

ESTUPIDA! Fizeste-me chorar!

scaf disse...

valente susto! :( Já passei por algo semelhante com a minha há um ano atrás, e quase morria naqueles longos minutos!

AnaBond disse...

estou como a sousa...

(merda)

Lina disse...

Que horror...imagino a angustia.
Nem é bom pensar que aperta logo tudo cá dentro.

Unknown disse...

tb já tenho as lágrimas a correr pela cara... ufa enquanto lia senti o meu coração apertado, por ti, por mim e por todas as mães! Com um alivio pelo feliz desfecho, pq me custa tanto pensar nas outras que não tiveram esse final...
Bjinho do tamanho do universo!

JBrito disse...

Desculpem todos a minha escrita que segue em baixo aqui;


FODA-SE!!!


Tudo está bem quando acaba... bem.

Abelha disse...

Mãe é isso mesmo, mesmo sem respirar continua sempre...até encontrar.
É talvez um dos meus maiores medos.

inesn disse...

não imagino e espero não vir nunca a imaginar :((

Rita Camões disse...

:(( que horror, nem imagino o teu desespero...

bjkas