Num passado longínquo, houve alguém que destabilizou o meu ser para além de toda a compreensão humana.
Lembro-me da persistência e permanência desarmantes. A necessidade (desesperada) do 'estar'; a urgência de sentir sem, no entanto, definir o sentimento; as meias palavras inesgotáveis que nunca formavam uma palavra completa; a suposição social; a necessidade de isolamento a dois sob qualquer pretexto...
Essa é uma das lembranças que me torna na mulher que sou hoje porque quando me recordo do passado, lembro-me de um dia virar costas para nunca mais voltar. Lembro-me do vestido curto vermelho que usava e do som dos saltos dos sapatos na calçada quando subia a rua. Lembro-me que foi o meu primeiro amor. E lembro-me de parar a meio da subida quando ele gritou o meu nome e acrescentou baixinho "agora eu percebo o que acabei de perder...". Lembro-me que parei, lembro-me que hesitei mas não cheguei sequer a olhar para trás. Continuei sempre e nunca mais voltei.
Ele sempre esperou que eu voltasse; o mundo inteiro esperava que eu voltasse mas, nem quando da cama de um hospital chegou, por interposta pessoa, o pedido de um homem acidentado eu voltei. Cortei amarras com esse amor e com essa dor e parti.
Ocasionalmente, os nossos caminhos cruzam-se, agora já sem o sentimento de outrora, mas eu lembro-me...
Lembro-me bem do vestido vermelho, dos saltos a bater na calçada e do som do meu nome a ecoar na escuridão de uma rua na noite de Lisboa.