É fantástico as coisas que descobrimos quando as pessoas, que toda a vida conhecemos, morrem.
Em certos casos, pode mesmo ser fascinante.
É fantástico as coisas que descobrimos quando as pessoas, que toda a vida conhecemos, morrem.
Em certos casos, pode mesmo ser fascinante.
Que alguém leia isto, ok?
Quanto mais distante eu estiver de ti, mais perto estarás de mim. A beleza da ironia é transcendente.
Mas no dia em que nos cruzarmos quem cederá primeiro? A assustadiça formiga que serpenteia na sua fuga ou a destemida traça que prefere queimar-se a deixar a lâmpada?
Há uns dias disseram que não me achavam uma pessoa afectiva. E isto deixou-me a pensar. Deixou-me a matutar ainda mais em algo que me girava na cabeça nos últimos tempos.
Quando foi que eu me tornei num porco-espinho? Como foi que eu me tornei numa pessoa distante fechada numa redoma de arame-farpado? Porque foi que me convenci que era impossível de amar?
Lembro-me de duas situações recentes: um beijo que não retribuí e um abraço que quebrei antes mesmo de ser dado. Ambas as coisas eram desejadas por mim mas fui incapaz de as fazer. Posso arranjar 1000 desculpas como alguém que chamou, etc, etc, etc… Mas a realidade é que eu acho que me tornei numa daquelas pessoas que está convencida que não merece o carinho. A realidade é mesmo esta. E com isso tornei-me hábil na arte de não me entregar. Sou confiável, sou prestável mas não me dou. A porta da redoma está trancada e eu engoli a chave.
Eu convenci-me que era o porco-espinho que ninguém quer abraçar e agora quando o fazem espeto com espinhos imaginários que nem sabia que possuía. Convencida que dessa forma não me magoarão e sem noção de que desta forma, eu própria me magoarei
O lado positivo é que informo que a recolha desses espinhos imaginários já foi iniciada…
Vagueio pela casa como um fantasma bizarro. Deveria dormir mas tu não me deixas. Deito-me e tudo o que acontece é o som da tua voz na minha cabeça e a recordação do arrepio causado pelas tuas mãos nas minhas costas.
Sinto a tentação de te ligar mas lembro-me de te esquecer mais um bocadinho.
Tu vais ser o meu livro na parte de trás da estante, a minha garrafa de whisky velho guardada para um dia especial e vou-me esquecer da tua existência como se esquece os tarecos antigos. E, um dia, vou-te tirar do escuro. Um dia, vou-me lembrar de te ler e de te beber.
Até lá não vou andar atrás de ti e, como sabes, nunca irei implorar. Mas, nesse dia, vais acordar ao meu lado e vais-te perguntar: “Como é que isto aconteceu?” E eu vou-te responder que aconteceu porque, uma manhã, enquanto tomava café e fumava um cigarro, eu decidi que ia acontecer.
Karen Blixen (Meryl Streep):
"What happens tomorrow?"
Denys Finch Hatton (Robert Redford):
"I have no idea."
(África Minha)
E a navegação à vista é uma coisa que cada vez me fascina mais. Seja ela em Teoria Geral do Direito Civil ou na vida em geral.
Hoje aconteceu o imponderável. Aquilo por que eu rezo há quase 4 anos que nunca acontecesse, deu-se no final da tarde.
Depois de um dia calmo em casa e um fim de tarde com amigos, decidimos levar os putos ao shopping. 2 mães, 2 crianças. Eles felizes, constantemente na brincadeira, ela provocadora, ele não lhe ficava atrás. Andavam de mão dada. Ela de mão dada com a mãe, ele de mão dada com ela.
Foram os 3 à Sportzone experimentar as bicicletas e eu fiquei na loja ao lado. Entraram passado um bocado. A mãe perguntou se íamos jantar. Eu respondi que sim. Ela olhou para baixo e tudo o que bastou foi a cara pálida dela a olhar de volta para mim com os olhos em pânico e a pergunta “Ele está contigo?”
Mas ele não estava.
Corri os corredores da loja e dele nem sinal. Sai cá para fora e comecei a correr, perdida, sem saber por onde começar.
Queria gritar o nome dele mas não conseguia. Corri para o segurança apenas para constatar aquilo que eu sabia. Que não conseguia falar. Não conseguia emitir um som. Ele olhava para mim e comecei a ouvir a voz dela a dizer-lhe que tínhamos perdido um menino de 3 anos. O meu menino…
Ele queria a descrição e ela só lhe conseguia dizer que ele era desta altura enquanto apontava para a própria filha e que tinha uma t-shirt azul do Cars e ele pedia mais e ela só falava na t-shirt azul do Cars. E eu não conseguia dizer nada. Eu não conseguia dizer que ele tinha os olhos azuis mais lindos do mundo e que quando sorria o mundo se iluminava. Eu não conseguia dizer nada…
Entrei na Sportzone e comecei a vasculhar cada recanto, cada corredor e só pensava que não conseguia respirar. O meu peito rasgava-se por dentro e eu desejei morrer. Pela primeira vez, eu quis morrer. Porque morrer era melhor do que sentir aquela dor que eu estava a sentir. Morrer seria uma bênção em comparação com aquela dor.
E pensava nela. Pensava na foto dela grávida, a uma semana de ter a própria filha, com o meu filho de dias ao colo. Pensava no quanto ela gostava dele assim como eu gosta da dela e doía mais porque eu sabia que ela estava a morrer também. Porque eu sabia que ela nunca se perdoaria se lhe acontecesse algo. E pensei em milhares de coisas parvas enquanto o meu peito se estilhaçava e eu atirava peças dos cabides da Sportzone por todo o lado.
No momento em que eu pensei que nunca mais na vida eu ia conseguir respirar porque não havia maneira de forçar o ar a entrar no peito, olhei para a porta e vi o segurança que me sorriu e apontou para fora. Para logo a seguir gritar ‘não’ e correr para mim a pensar que eu ía desmaiar enquanto eu me dobrava sobre mim mesma e finalmente começar a chorar convulsivamente.
Foi quando o vi aparecer, pela mão da tia. Ela a chorar e ele a soluçar e a chamar por mim. E agarrei-o. Agarrei-o como nunca o tinha agarrado antes. e embalei-o no chão do shopping ladeada por um segurança e uma loira gigante de lágrimas nos olhos que me perguntava com o olhar e depois com a voz se eu a odiava. E a única pessoa com quem eu conseguia falar sem soluçar era com ele enquanto o embalava. E ela dizer-me que ele estava a chorar porque ela lhe tinha batido porque ele estava escondido a ver toda a gente à procura dele e ainda apareceu a rir e aos pulinhos. Ela que devia estar a morrer como eu estava, deve ter-lhe arreado 2 valentes palmadas no rabo.
Depois foram os 2 conversar enquanto eu me acalmava. E fizeram as pazes mas ele ainda me veio dizer com uma grande lata que apanhou um ‘ganda xusto’ enquanto esfregava o rabo onde ela lhe deve ter batido. Pois deve ter apanhado deve…
Eu não sei quanto tempo se passou entre ela me perguntar por ele e o segurança me chamar. Na minha cabeça foram horas infindáveis, na realidade não sei, foram alguns minutos, mas agora enquanto eu continuo a chorar cada vez que me lembro do que aconteceu e vou olhá-lo a dormir, não consigo deixar de pensar em todos aqueles pais para quem não foi apenas um pequeno susto. Não consigo deixar de pensar…